quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Até nunca mais

Ei, Miguel!
Sim, seu porco imundo, estou falando com você!
Largue essa porra de cerveja e arraste sua pança ignóbil até aqui.
Vamos encarar os fatos. Nossa vida é uma merda.
Não! Não ouse me dar as costas.
15 anos que você me enrola, jura que vamos ter uma vida decente, que vamos nos mudar desse muquifo.
O que temos? Me diga! O que temos?
Eu tenho que labutar feito uma desgraçada para pagar as contas desse pardieiro que nos acostumamos a chamar de casa, enquanto você fica aí, esparramando suas banhas nesse sofá lascado e enchendo a cara.
Eu tinha uma vidinha razoável. Não era lá muito grandiosa, de fato, mas qualquer coisa é melhor que isso aqui. E eu fui burra o suficiente para deixar tudo para trás e me casar com você. Ora, naquela época você era só um rapazinho alto e esquálido. Era de dar dó. Mas eu te amava, porra. Eu te amava.
E você tinha tanto talento. Era um escritor muito promissor. Ainda sinto falta de quando você sentava nesse mesmo maldito sofá, com seu cigarro, seu caderno com capa de couro e sua caneta e passava horas rabiscando, com aquele ar blasé que eu tanto adorava. Às vezes parecia que você ligava mais para sua arte do que para mim. Mas e daí? Eu tinha uma estúpida fantasia de ser mulher de um  renomado escritor. Isso me excitava deveras. Mas agora você é só gordo, velho e inútil.
Estou indo. Dessa vez eu estou indo. De verdade. E não vou voltar como já fiz antes. Não sou tão velha assim. Ainda tenho chances de dar um jeito na minha vida.
Não adianta gritar, espernear. E se quiser se matar, ótimo. Ninguém vai sentir sua falta mesmo. É até um favor que você faz. Um indigente a menos no mundo.
Adeus, Miguel. E até nunca mais.

Um comentário:

  1. Esses seus textos reais e fortes, esse seu lirismo que eu nunca me canso de exaltar... Gosto cada vez mais de passar por aqui e ler esses textos.
    Valeu, Mary!

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