Quatro e vinte da manhã. Porra de insônia. Desisto. Ligo a
luz enquanto acendo um cigarro e fico olhando para o papel de parede de margaridas
descascado. Ligo o som e começo a cantar. Alto. Não ligo se vou acordar meu
vizinho. Ok, isso foi mesquinho. Abaixo o volume.
Uma meia hora depois ouço batidas na porta. Porra. Acordei
meu vizinho. Fiquei com dor na consciência. Coloco um robe e vou correndo
atender, já pensando numa desculpa plausível. Não posso dizer “Foi mal aí, tá?
Estou de TPM e com insônia e gosto de ouvir The Smiths no último volume como
terapia. Volte a dormir”. Abro a porta e lá está ele, descabelado e com uma
garrafa de cerveja na mão.
- Hum, oi. Quer uma cerveja? Não consigo dormir e você, pelo
visto, também não.
Me sinto ridícula. Dou um chilique e o cara me oferece
cerveja. Meu cabelo está medonho e ensebado e tenho duas bolsas arroxeadas
embaixo dos olhos. Vou buscar uns copos, enquanto tento me controlar. Vamos lá,
digo a mim mesma, é só seu vizinho gato com quem você passou umas noites e
depois ele lhe chutou para ficar com uma burguesinha vadia e loira. Não, ele
não lhe chutou. Vocês não tinham nenhum compromisso e VOCÊ MESMA, sua burra,
deixou isso claro no primeiro encontro. Então pare de frescura, seja legal com
o cara e não demonstre rancor. Vai lá.
E vou. Encontro ele na sala, sentado no sofá. Ele é lindo.
Burra. Sento ao seu lado, mas não muito perto. Não quero que ele perceba minha
feiúra grotesca e saia correndo. Muito sutilmente pergunto sobre sua digníssima
namorada. Ela está bem, ele diz. Muito vago. Parece constrangido. Eu mais
ainda. “Tá chovendo”. Boa, Marília. A arte da paquera eu domino.
- E você? Namorando?
- Não.
Dou um enorme gole de cerveja. Ele enche o copo dele outra
vez. O observo. A barba por fazer dá um ar sexy. Seu robe mal amarrado deixa à
mostra uma parte do peito definido e cabeludo. Burra.
- Você é gostoso.
- Não te entendi. O que disse?
- Nada.
Enquanto estou absorta encarando sua maldita aliança de ouro
na mão direita, o celular apita. Mensagem da vadia o convidando para um café. São
seis e pouca da manhã. A fofa acorda cedo.
- Bom, foi um prazer passar o resto da madrugada com você,
mas tenho que ir. Então até qualquer hora, certo?
- Ceeerto.
E ele foi. E me deixou aqui sozinha. Ele não me beijou, me
jogou na parede e me chamou de lagartixa. Só levantou e bateu a porta. E ainda levou o
resto da cerveja. Sacanagem. Era minha única companhia. Ligo o som de novo. Ah, Morrissey, meu amor.